A Marcha das Mulheres
Recentemente nas redes sociais
uma imagem gerou polêmica e levantou velhas discussões. Esta imagem mostrava
uma comparação entre uma “psedo-celebridade” e a jornalista e apresentadora
Patrícia Poeta. Esta primeira trajava um vestido preto curtíssimo e sapatos de
salto plataforma, a apresentadora preservando sua imagem séria e recatada,
também usava um vestido preto, muito comportado e sapatilhas; a legenda dizia: Isso é
vulgar e isto é elegância.
O impacto gerou depoimentos das
mais diversas vertentes. Algumas mulheres apoiaram tal comparação, sendo
enfáticas ao dizer que mulher não precisa se vestir como prostituta para chamar
atenção, que precisam sim ser elegantes e clássicas, e que esta era a imagem
que refletia a mulher moderna. Já as feministas, que lutam por direitos
equânimes e uma vivência humana liberta de padrões opressores, por definição,
taxavam a imagem de preconceituosa, porque afinal de contas, o corpo é de cada
um, e é um critério totalmente pessoal a escolha da roupa; e que não deve ser
taxada como vulgar uma mulher que tem a preferência por vestes provocantes.
Em meio a esta confusão, por
casualidade ou não, foi divulgada mais uma edição aqui no Brasil da “Marcha das
Vadias”; movimento social iniciado em 2011 em Toronto, no Canadá, que desde
então se tornou internacional realizado por diversas pessoas em todo o mundo. A
Marcha das Vadias protesta inicialmente contra os casos de estupro e abusos
sexuais causados por excesso de sensualidade, isto é, a mulher é abusada porque
provocou isso com seu modo de vestir. Então, as mulheres saem às ruas, vestidas
com o que bem entendem (algumas seminuas ou com transparências), e carregam
faixas e cartazes com dizeres do tipo: “O Corpo é meu, eu faço o que quero”; “Eu
sou um ser humano, não um brinquedo sexual”; “Minha mini-saia não é um convite”;
“Contra a globalização do silicone”.
Intrigada por tal questão e muito
cuidadosa em emitir qualquer tipo de julgamento, fui atrás da literatura e
busquei entender qual mitologia ou em que momento da nossa história este tipo
de movimento poderia estar ligado. Alguns autores consideram impossível
entender um povo de uma sociedade em particular sem ter um entendimento de sua
mitologia. Os mitos exprimem crenças, moldam comportamentos, justificam
instituições, costumes e valores.
Cheguei ao livro da Dra. Catherine
Blackledge chamado: A história da V – Abrindo a Caixa de Pandora; esta
publicação trás pesquisas e análises de diferentes mitos, teoria da evolução,
biologia e medicina reprodutiva, desvendando o oculto do corpo feminino.
Usando esta referência, a autora
nos leva ao inicio da civilização, aproximadamente no século V AC. Herótodo,
famoso explorador e historiador grego viajou por todo o Egito nesta época, e
viu a inversão do papel do homem e da mulher naquela sociedade: “as mulheres
vão ao mercado e se ocupam dos negócios, enquanto os maridos ficam em casa e
tecem”. Naquela época, era visível a
força e poder associados às mulheres.
Uma crença muito incomum naquela
sociedade era tema em rituais e celebrações: a exposição da genitália feminina.
Este impávido gesto feminino era considerado de grande poder, capaz de causar
uma tempestade ou acalmar os oceanos. O evento egípcio registrado por Heródoto
como testemunha ocular foi o festival anual de Budapeste, a deidade envolvida
nessas celebrações era a deusa-gata Bast ou Bastet (curioso notar a associação
da genitália feminina com a felina -puzzy- presente em diversas lendas mitológicas) esta deusa era
padroeira dos prazeres, das danças, da música e da alegria. Centenas de foliões
se reuniam em barcos para celebrar a deusa, ao passarem pelas aldeias, algumas
mulheres dançavam enquanto outras erguiam suas saias. Heródoto então deu a este
ato explícito o nome de: anasuromai, derivado
de uma palavra grega que significa “erguer as próprias roupas”.
Plínio, outro historiador do
mundo antigo, escreveu no século I DC em sua História Natural , que tempestades com tufões e relâmpagos podiam
ser apaziguados quando confrontados com a imagem de uma mulher nua. Ou seja, a
visão de uma mulher expondo deliberadamente a sua vulva é tida como capaz de
impedir que o mal aconteça. Ademais, o
exame das lendas sobre a exposição da vagina revela dois modelos: uma que se
concentra nos efeitos de afastar o mal, e outros, nos efeitos de aumentar a
fertilidade das lavouras ou dos próprios animais. O curioso é que todos os relatos históricos
mostram que esta exibição era feita coletivamente, por grupos de mulheres; mais
uma vez mostrando a força e o poder do coletivo feminino. E estas crenças foram
sendo mantida por gerações e gerações.
Voltando ao nosso tema, da Marcha
das Vadias, trago o seguinte questionamento. Será que é possível que estas
mulheres agora no século XXI estejam de alguma forma retomando este poder, que
por tantas Eras foi reprimido: “Senta direito menina... fecha as pernas”. Este
excessivo pudor não foi uma forma no nos reprimir através dos tempos? E agora,
cheias de coragem e autoconfiança saímos às ruas expondo este poder? Infelizmente
se estivéssemos nuas provavelmente antes de terminar a passeata estaríamos presas em uma delegacia por atentado ao pudor;
mas sim, cobertas com poucas roupas e autorizando o arbítrio de usa-las sem ser
taxadas como vulgares? Seria um resgate desta crença?
É irônico chamar a nossa
sociedade de moderna, mas o patriarcado por anos coibiu estas mulheres tão
poderosas que nuas eram capazes de terminar guerras e hoje, na sociedade em que
vivemos, precisam realizar movimentos como estes, ou são ridicularizadas por
outras mulheres, que infelizmente não sabem nada de história. Não acho que é
preciso instigar uma competição entre os sexos, mas sim, que as pessoas se
informem, leiam, estudem, só assim poderemos desenvolver nosso senso critico e
opinar de maneira mais justa e com o foco na evolução da nossa sociedade.
Que dominação é essa que culpa a mulher por ser estuprada? Que reverso terrível e triste da nossa história, onde está nosso poder?
MULHERES UNIDAS, JAMAIS SERÃO VENCIDAS!!!
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